Quantas vidas cabem em uma mesma vida?
Quantas versões nossas as pessoas conhecem?

A maior parte das pessoas ainda conhece a Mari da TV, principalmente dos quase 10 anos em que ela esteve à frente do “Bem Estar", na Globo, mas tanta coisa aconteceu antes, depois e ainda há tanto por vir.

“Vidas passadas” é um termo que a Mari pegou emprestado do seu amigo Murilo Gun para referenciar - e reverenciar - sua jornada até aqui e reflete algo que acreditamos: que podemos sim viver mais de uma vida na mesma vida.

Esse também é um jeito de você se lembrar de quem a Mari já foi e do potencial que todos nós temos de nos transformarmos e transformarmos a nossa jornada em uma vida que faça mais sentido a cada dia.

A Memória da Globo, traz um pouco dessa biografia e o livro Estar Bem Aqui um outro tanto: o começo no jornalismo, a primeira aparição no Canal 21, as aventuras do Globo Mar, as previsões do tempo na Band, a bancada ao lado de Joelmir Beting e Ricardo Boechat, o "Saúde de Corpo e Alma”, a Dança dos Famosos, no Faustão, as vinhetas de final de ano com a famosa música "Hoje é um Novo Dia de um Novo Tempo"...

Previsão do tempo:

Jornal da Band + Boechat:

Pedimos para a Mari escrever sobre três trechos marcantes de sua carreira como jornalista - são histórias que realmente mudaram a forma como ela enxerga a vida. E aqui estão as histórias que ela separou para você:

Brumadinho

No dia 25 de janeiro de 2019, eu fui dar uma palestra em Belo Horizonte. Quando eu cheguei lá, a Barragem de Brumadinho tinha estourado. A segunda parte do evento do qual estava participando, ia ser apenas no dia seguinte, à noite. Eu tinha um sábado inteiro livre para esperar até a hora de subir no palco novamente. Perguntei ao meu motorista se ele poderia me levar ao local da destruição da barragem. Passei a tarde ouvindo histórias e pedi à direção da Globo para apresentar o Bem Estar de lá na segunda-feira.

Acabei passando a semana inteira naquele cenário de horror e dor.

No último dia, quando eu já tinha parado de trabalhar, eu conheci o Edson. Ele havia perdido tudo. Quando sentei ao seu lado no restaurante da pousada em que estávamos hospedados, ele me olhou e disse apontando para cada peça de roupa que estava usando: “Isso não é meu. Isso não é meu. Isso também não é meu.” Depois apontou para a mesa do restaurante, para o chão e para o teto e repetiu: “Isso não é meu. Isso não é meu. Isso também não.”

Edson contou-me que havia trabalhado por 30 anos na Vale do Rio Doce e que tudo que havia construído na vida foi fruto deste tempo. Em 30 segundos, a lama levou tudo embora.

Quando a barragem se rompeu, o caseiro e a cozinheira da casa na qual ele vivia com a mulher perceberam que os animais estavam agitados e conseguiram fugir. A esposa de Edson foi avisada por eles, mas no meio do trajeto, decidiu voltar para tentar salvar o cachorro de estimação. Ela foi encontrada morta com o cão nos braços, debaixo da lama.

Depois de me dizer tudo isso, Edson olhou nos meus olhos e disse:

- E você? Quem é?

O que eu podia dizer para o Edson? Quem eu era? Em quem havia me transformado depois de ouvir tudo aquilo? O que eu poderia dizer sobre mim que faria alguma diferença?

Fiquei muda. Não consegui dizer nada a Edson. Apenas olhei bem fundo em seus olhos, abri meu coração o máximo que eu podia, e me coloquei ali, absolutamente presente, à disposição, para ouvir o que ele precisava dizer.

Lembro-me das lágrimas escorrendo dos meus olhos e dos dele.

Se alguma câmera tentasse captar o que havia acabado de acontecer, nunca conseguiria. Se eu tivesse tentado gravar com o meu celular esta conversa com o Edson, ela nunca seria a mesma nem teria o mesmo efeito em mim.

Quando estamos diante de tragédias daquela magnitude, temos a oportunidade de compreender o que de fato tem valor na vida: não são as nossas casas, as nossas roupas, nosso laptop, não é o sobrenome de uma empresa, ou o cargo em seu crachá, mas a própria vida em si: a nossa e a de quem amamos!

Globo Mar

Havíamos acabado de chegar a Ilhas dos Lençóis, em Cururupu, no Maranhão, que fica relativamente perto dos Lençóis de Barreirinhas, que muitos turistas conhecem.

Uma série de lendas envolve o local, onde há o maior número de pessoas albinas do Brasil devido ao casamento entre parentes próximos.

Logo que desci do barco encontrei Sanã, um menino albino de 9 anos de idade. Ele usava uniforme escolar e uma sombrinha para se proteger do sol. Depois de me contar que estava a caminho da escola, o Sanã me disse que sua matéria preferida era Língua Portuguesa.

- Jura? A minha também. Sempre adorei português enquanto estive na escola. E o que você mais gosta em Português?

- Eu gosto de poemas, respondeu Sanã, com um sorriso doce.

- Uau! Eu também adoro poemas! E qual o livro de poemas que você mais gosta?

- Não sei, eu nunca vi um livro.

Gostaria de fazer aqui uma pausa para que você que está lendo pudesse sentir o que eu senti naquele momento. Uma criança indo para a escola, que ama poemas e nunca viu um livro! E, você, assim como eu, que muito provavelmente, deve ter na sua casa um monte de livros que nunca leu.

A minha vontade era levar Sanã para minha casa imediatamente, sentar com ele no tapete da sala e passar um fim de semana inteiro lendo poemas.

Lembrei-me que no meu Ipod (naquela época ninguém da nossa equipe tinha smartphones – ainda bem!), havia poemas gravados na voz de Paulo Autran, que apresentava um quadro na rádio BandNewsFM, em que escolhia textos de autores como Adelia Prado, Manuel de Barros, Fernando Pessoa, Paulo Mendes Campos, Cecília Meireles…

Perguntei a Sanã se ele gostaria de ouvi-los, ao que respondeu imediatamente que sim. Marcamos de nos encontrar no final da tarde e passamos uma hora e meia compartilhando o fone de ouvido. Ele chorando de um lado e eu tentando conter minhas lágrimas do outro.

Expedicionários da Saúde

Em 2012 acompanhei os Expedicionários da Saúde, um grupo de médicos voluntários que atendem comunidades indígenas em uma viagem a Taracuá, no noroeste do estado do Amazonas, a 9 horas de barco de São Gabriel da Cachoeira, às margens do Rio Negro.

A equipe montou um hospital para atender várias comunidades e dois atendimentos me marcaram muito.

Um deles de uma menininha de 1 ano e 7 meses, a Miriam. Ela havia perdido o movimento de uma das mãos após pegar um carvão em brasa. Os médicos começaram a cirurgia e a mãe, muito aflita, ficou do lado de fora da tenda.

Foi o primeiro corte que vi com um bisturi ao vivo. A mãozinha de Miriam era tão delicada que quando vi o sangue, instintivamente pensei: "Deus, ilumine a mão deste médico."

De tempos em tempos eu saía da sala cirúrgica para dar notícias para a mãe de Miriam.

Quando tudo acabou, ver a menina mamando tranquila no seio da mãe foi emocionante demais.

Alguns dias depois, no mesmo centro cirúrgico, o grupo operou Tatiane, uma menina de 10 anos com catarata congênita.

Quando a cirurgia acabou, Tatiane conseguiu ver o rosto de sua mãe pela primeira vez e imediatamente disse: "Minha mãe é linda!".

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